Catena Zapata e Alejandro Vigil são nomes premiados e reconhecidos entre amantes de vinho. Essa degustação – vertical e horizontal de seus Malbecs premium – é uma aula de terroir e conhecimento acumulado.
Encontros com Alejandro Vigil – o premiado enólogo da Catena Zapata e El Enemigo – são sempre memoráveis e esse, claro, não seria diferente. A expectativa com os vinhos também era grande: um apanhado da crème de la crème do Malbec argentino produzido pela Catena Zapata e El Enemigo – todos ainda inéditos para mim.
Terroir, Microbiologia e a Busca pela Excelência no Malbec
Não há quem, no mundo do vinho, não reconheça (ou seja indiferente) à enormidade e importância do papel representado pela Catena Zapata no cenário do vinho argentino e sua projeção mundial. Parte dessa importância reside na história tão bem contada no livro Ouro nos Vinhedos (ouça aqui) sobre a busca pela altitude – a princípio considerada insana mas que, de fato, deslocou o eixo da produção de alta gama mendocina para o Vale de Uco.
Outra parte do “segredo” do sucesso reside no afinco sistemático e apaixonado com que a atual gestora – a (também) médica Laura Catena – dedicou recursos ao estudo e entendimento do seu terroir e sua variedade principal – a Malbec. Uma ideia da dimensão e profundidade dessa dedicação é dada pelo volume da produção científica no Catena Institute of Wine. Sim, há pelo menos 20 anos a bodega investe pesado em pesquisas de ponta que explicam e orientam muito do que nós, enófilos, acreditamos “surgir” como mágica em nossas taças.
Mas a menos que você seja um enonerd como eu – e mesmo que você seja – muito mais divertido que se debruçar sobre as incríveis pesquisas sendo conduzidas no Institute é ouvir Alejandro Vigil “mastigando” os dados e nos devolvendo em forma de degustação.
“Engarrafando Paisagens”: Como Alejandro Vigil Entende Seu Papel no Vinho
Carismático, autêntico, sincero e engraçado. Não à toa virou “enocelebridade” – contrariando sua própria crença de que o enólogo deveria ser uma figura muito mais marginal na imagem do vinho, apenas “engarrafando a paisagem” – uma de suas pérolas eu que amo repetir.
E aprendi mais uma pérola nesse dia – em que faríamos uma degustação horizontal pelos melhores terroirs da Catena e El Enemigo: Malbec e Cabernet Franc – não à toa as duas variedades que Vigil escolheu trabalhar em seu projeto pessoal – o El Enemigo – são as variedades que melhor espelham o terroir em que crescem. E isso era justamente o que estávamos prestes a constatar em nossas taças.
Histórias de Safras, Montanhas e Ventos Mendocinos
Com seu usual carisma, Ale nos contou histórias de como foram as safras 2016 e 2020 – uma fria e molhada e a outra muito mais quente. Diferença nitidamente notável nas taças de Mundus Bacillus Terrae que tínhamos à nossa frente. “2020 es para bife de chorizo y 2016 para tomar solo” – ele resumiu.
Não sem, ao longo do caminho, nos contar sobre o índice WInkler, a montanha que se ergueu do mar, como a safra de 1998 foi tão molhada como 2016 mas na primeira perderam tudo e na segunda tiveram a maior quantidade de vinhos premiados da história, da importância do vento Zonda na formação do terroir mendocino – e teve até conselho: “Que nunca os agarre vento Zonda bajando en avión. Nos es divertido!”. Histórias deliciosas que vou compartilhando por aí.
Degustação Vertical: Mundus Bacillus Terrae 2016 e 2020
- Catena Zapata Adrianna Mundus Bacillus Terrae 2016 e 2020
Uma degustação vertical de um dos mais icônicos vinhos da bodega Catena. O nome curioso e que se traduz como “micróbios elegantes da terra” reflete uma das linhas de pesquisa do Catena Institute que (me parece) inspira mais carinho entre o pessoal por lá: o estudo do micro-mundo que povoa os vinhedos. Nesse caso, uma pequena parcela do cultuado vinhedo Adrianna especialmente rica em rizobactérias – microrganismos que vivem próximos às raízes e auxiliam a fixação de nutrientes e água pelas videiras (lembrando que água é um recurso limitadíssimo em Mendoza).
A safra 2016 nesse pequeno pedaço de terra foi mais fria – Winkler 2 – o que se traduziu num Mabec elegante e profundo. Um vinho de relfexão. No site de vendas da loja Mistral, sua importadora exclusiva, o Mundus Bacillus 2016 tem menor pontuação e preço mais baixo que as outras safras.
Degustação Horizontal: Fortuna Terrae x River x Nicasia
- Degustação horizontal: Catena Zapata Adrianna Fortuna Terrae 2020 e Catena Zapata Adrianna Vineyard River 2020
Uma aula de terroir. De novo! O solo no Fortuna Terrae é profundo e argiloso, com uma camada final de calcário. Já o vinhedo Catena Zapata Adrianna Vineyard River é pedra pura. Seixos rolados cobertos por calcário. Como resultado temos um vinho mais macio, redondo e “adocicado” versus um vinho mais austero e mineral. Ambos, claro, com a elegância típica dos Malbec de alta gama da Catena. Fortuna foi meu preferido do flight – e também da maioria de meus colegas, como averiguei numa rápida pesquisa informal.
- As Bravas 2016
Esse um “bicho” completamente diferente. A começar pela pitada de uva branca (5% de Semillón) no blend. Os vinhedos ficam em Pampa El Cepillo – uma fração de solos coluviais (formados pela deposição trazido pelo vento e que compõe apenas 5% dos solos em Mendoza, onde 90% dos solos são aluviais) a 1.300m de altitude. A safra é a famosa 2016: fria e aguacenta que resultou numa enxurrada de premiações dos vinhos de altitude).
O nome, uma homenagem brincalhona à mulherada arretada. Tem frutas vermelhas frescas no nariz, uma acidez cortante e fruta mais madura e adocicada na boca. Longo e profundo.
- Catena Zapata Nicasia 2021
Já o vinhedo Nicásia fica em Altamira, um solo raso e pedregoso formado por depósitos aluvionais glaciares. A excelente drenagem leva à concentração das uvas, produzindo um vinho denso e complexo. Um Malbec como todos nós amamos, mas já com a elegância da modernidade e leves 3.5% de álcool.