Já tem 10 anos que comecei a estudar vinhos e confesso que ainda me surpreendo. Até com os vinhos argentinos! Digo “até” porque, pela proximidade, os vinhos argentinos são os mais frequentemente presentes em nossas taças. Além da oferta grande e preços atraentes, seus criadores também são figurinhas carimbadas por aqui, proporcionando-nos masterclasses riquíssimas como essa de Alejandro Vigil que mostrei aqui.

Talvez por isso eu tenha ido conhecer Fabián Valenzuela, enólogo-chefe da Bodega Tapiz, sem expectativa muito elevada. E que boa surpresa me esperava! A cerejinha da degustação foi uma vertical do Las Notas de Jean Caude – nada menos que um “pequeno Petrus cucaracha”. Confira a seguir.

Las Notas de quem?

Nascido na terra do Malbec, o Las Notas de Jean Claude é um blend bordalês com cara de margem direita. Composto majoritariamente por Merlot, como os blends da famosa margem de rio, o vinho argentino é assinado por Jean Claude Berrouet. 

Se o nome não soa alarmes e a conexão entre o vinho argentino e a badalada Bordeaux ainda não fez sentido eu explico: Jean Claude Berrouet é um nome lendário, que esteve por mais de 40 safras à frente do icônico Pétrus, um do vinhos mais famosos e cobiçados do planeta.

As proporções do blend argentino, inclusive, são feitas em Bordeaux. Amostras de vinhos do Valle de Uco que Fabián cuidadosamente produz do lado cá do Equador e leva para a França.

Como seduzir um enólogo francês

Mas como convencer uma das figuras mais respeitadas da enologia mundial, por mais de quatro décadas responsável pelo Pétrus,um dos vinhos mais icônicos e caros do planeta, a colaborar num projeto mendocino? Fabián conta que não foi fácil e o cortejo durou meses.

A decisão veio, conta Fabián, quando Jean Claude foi apresentado ao Tapiz Seleción de Barricas, Um blend com base de Malbec, porções das tradicionais Cabernet Sauvignon, Merlot e Cabernet Franc, e um toque de Syrah. E o que tinha esse vinho de especial? A delicadeza – que é marca de Jean Claude – obtida graças às uvas cultivadas na fria altitude da Cordilheira. Uma história que se iniciou em 2002 quando a família Ortiz adquiriu as terras onde hoje está a IG San Pablo.

Tapiz Seleción de Barricas 2019

Não sei como estava a versão deste vinho que convenceu Jean Claude do potencial da região. Eu provei a safra 2019, composta por 40% Malbec, 25% Cabernet Sauvignon, 20% Merlot e 5% Syrah. É encorpado, com 14,6% de álcool. Bastante intenso, seus taninos são aveludados e a acidez deixa tudo mais elegante. No nariz puxa para o lado das frutas vermelhas, com notas bem integradas de chocolate escuro que dão uma dica de passagem por madeira mas nem de longe entrega os 18 meses de estágio em barricas de carvalho francês novas. O preço de R$ 334 achei bem convidativo, considerando que foi a inspiração para o Las Notas, que vale o dobro desse valor no site da TDP Wine.

Degustação vertical de Las Notas de Jean Claude

Um vinho com receita de Velho Mundo produzido com matéria prima de Novo Mundo

Blend baseado em Merlot, com cara de margem direita, na safra 2019 era 76% Merlot, 11% Cabernet Franc, 7% Sauvignon Blanc, 4% Petit Verdot e 2% Malbec. Foi um ano frio. Apesar dos 14,8% de álcool, mostrou-se muito elegante na boca, com taninos intensos mas finos, domados por 11 meses de estágio em barricas francesas novas que, claro, não se destacavam no nariz.

A ideia da vertical era mostrar, além da evolução, as diferenças nos vinhos provocadas pela temperatura. Ambos os vinhos 2013 e 2014 estavam deliciosos, com aromas complexos que se abriam em camadas, mas com estruturas muito distintas. O 2013, considerado um ano frio, entregou um vinho mais elegante e que costuma ser meu estilo preferido mas confesso que o 2014, de um ano considerado quente, me ganhou. Me pareceu mais profundo e longo. A dica de Favián, no entanto, é guardar o 2013 e beber o 2014 já.

Outros vinhos degustados

Também presentes no Brasil, atravpes do portfólio da TDP Wine:

Tapiz Classic Torrontés 2024: de uvas colhidas menos maduras, fogem do aroma floral típico da Moscatel. É fresco, ácido e muito bem equilibrado pelos 3,5g de açúcar residual. Muito bom preço pelo que entrega.

Tapiz Alta Collection Cabernet Franc: blend de 3 clones de Cabernet Franc – dois oriundos do Loire trazem aromas e frescor, enquanto o clone bordalês é responsável pela estrutura. Um tinto fácil de beber, com taninos macios e corpo médio. A boca sente um certo dulçor, embora seja um vinho seco.

Tapiz Black Tears Malbec 2020: um 100% Malbec intenso e encorpado, com aromas de frutas negras maduras e passas. Leves notas de chocolate amargo de sua passagem por barricas. Seu nome deriva da cor escura e lágrimas intensas que deixa nas taças. Em safras anteriores foi eleito melhor Malbec por 2 anos consecutivos pela revista Drink Business.

Tapiz Retrato por Jean Claude 2018: segundo vinho da vinícola lançado em parceria com Jean Claude Berrourt. Alma bordalesa da margem esquerda – um blend majoritariamente Cabernet Sauvignon da parcela 4A e 22% da parcela 1A, 18% Cabernet Franc, 10% Merlot, 2% Petit Verdot e 2% Malbec, 14,1% álcool. Envelhecimento em um mix de barricas francesas de 1o, 2o e 3o uso. Complexidade pura que vai evoluir com os anos.