SV#105: Vinho e madeira brasileira

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Gaspar Desurmont: definindo o corte do seu vinho ícone, o Terroir d'Excellence

Um vinho brasileiro que estagia em barricas de madeira brasileira é mais brasileiro? Essa é a aposta de Gaspar Desurmont, enólogo francês que elegeu o Brasil para produzir seus vinhos.

O Brazil nunca foi ao Brasil

A última vez que encontrei Gaspar Desurmont pessoalmente ele me apresentou 5 vinhos: eram 5 Sauvignon Blanc, mas cada um havia sido fermentado e envelhecido em um tipo diferente de barril de madeira.

Não faltou o tradicional carvalho francês, de primeiro e segundo uso, mas havia também as brasileiras jequitibá rosa e grápia. Esses vinhos eram experiências que Gaspar começara a fazer com as madeiras brasileiras em 2016.

Por que vinho em madeira brasileira?

Não é uma simples experiência maluca. Desde o início, a ideia de Gaspar era encontrar os melhores terroirs no Brasil para produzir seus vinhos. Com sotaque francês, sim, mas que expressassem o terroir de onde vinham. Nessa busca pela real expressão local, trabalhar com madeiras locais foi um passo lógico, como Gaspar explica no podcast.

O Brazil não conhece o Brasil

Jereba, saci, caandrades, cunhãs, ariranha, aranha… O Brazil não conhece o Brasil. O Brasil nunca foi ao Brazil… Essa música teria tudo a ver com este episódio!

Nessa conversa super sincera e honesta, Gaspar nos conta sobre seu projeto inicial, a VINHETICA, e de como isso evoluiu naturalmente para o projeto da Vigia.

O projeto VINHETICA

Com o objetivo de fazer vinhos genuinamente de terroir, Gaspar percorreu o Brasil e elegeu a Campanha Gaúcha para seus tintos, a Serra Gaúcha para seus espumantes, e o planalto catarinense para seus vinhos brancos.

O projeto, batizado de VINHETICA, tinha a proposta de ser

  • Ecologicamente correto
  • Socialmente justo
  • Economicamente viável

E assim surgiram o Merlot do senhor Isidoro, a Teroldego do Pedro, a Arinarnoa do Claudio Ecostelguy…são todos pequenos produtores parceiros, a quem Gaspar também assessora em busca de uvas cultivadas o mais organicamente possível.

No episódio, Gaspar também comentou sobre as críticas aos produtores brasileiros feitas pelo Guia Descorchados 2021. Você pode conferir o Guia aqui

Projeto da Vigia

Movido por essa curiosidade quase científica e o desejo de valorizar materiais genuinamente brasileiros, surgiu uma pequena ramificação do projeto principal na Vigia, onde fica também a casa de Gaspar.

Além de plantar as próprias uvas para poder tomar mais riscos na busca de uma cultura cada vez mais orgânica, Gaspar plantou um campo de carvalho. Carvalho brasileiro. Como ele conta no episódio: os produtores franceses fazem suas barricas com carvalho retirados de bosques próximos ao vinhedo. Ele acredita que madeira e vinho interagem mais harmonicamente por compartilharem o mesmo meio, o mesmo terroir. Daqui a 150, quando o carvalho plantado por Gaspar ao lado do vinhedo da Vigia virar barricas, saberemos.

4 Comments on “SV#105: Vinho e madeira brasileira

  1. Bom todo o podcast.
    Incrível a maneira simples como o Gaspar fala da sua paixão pela madeira brasileira, cativa qualquer ouvinte! Já estou ansioso na espera da live com ele viu Fabiana?Abraços!
    Kerjean

  2. Cara Fabiana Knolsisen, conheci seu podcast a pouco tempo e estou adorando ele. Que podcast delicioso de se ouvir. Queria compartilhar ousadamente um comentário com vc depois de ouvir seu diálogo com o Gaspar Desurmont, que foi muito rico e interessante, sobre o Descorchados em relação ao vinho brasileiro. Tenho feito esse comentário em algumas conversas sobre o que escreveu o Tapia e não vejo quase ninguém trazer esses pontos, que para mim são fundamentais.

    A primeira questão é que me parece ser necessário definir antes de qualquer classificação que façamos o que consideramos bons vinhos. Digo isso, pois o Tapia não clarifica esse ponto, o que muitos podem pensar ser redundante, afinal bons vinhos já estão definidos por supostas “leis vínicas” (o que Desurmont coloca em questão na fala dele sobre o como estamos acostumados a certos gostos nos vinhos). No entanto, ao ler a matéria e opinião do Tapia, só me pergunto: onde estão esses bons vinhos sul americanos, ainda mais da Argentina e Chile? No Brasil é que quase não estão e, quando encontramos alguns, são muito caros. Como minha percepção difere tanto da dele? Simples, para mim qualidade não está na “fruta” que um varietal traria como característica sua, pois essa característica própria se quer existe tão claramente quanto o Tapia quer vender. A maioria dos aromas e sabores ditos varietais nada mais são que produtos de uma química laboratorial que quase nada tem a ver com a uva original: um Pinot de uma sub-região da Borgonha não tem características de Pinot Noir, mas da Pinot Plantada, colhida e produzida na sub-região da Borgonha. Uma boa comparação interna no Brasil é provar um SB dos Vicaris, em que não encontramos maracujá no descritor aromático, com praticamente todos os outros da Serra Catarinense . Nos Vicaris não temos maracujá porque esse não é uma aroma que as uvas SB catarinense aportam ao vinho. Talvez, o maior erro de se pensar a vinicultura no Brasil seja justamente querer produzir vinhos como a Argentina e o Chile, como o Tapia mesmo aponta, e o Desurmont também. Por causa do clima, terreno, etc., totalmente diferentes. Isso é totalmente fragrante quando podemos degustar um vinho brasileiro produzido, por pequenos e grandes produtores, antes do ano de 2005. Tínhamos uma boa quantidade de vinhos que envelheciam muito bem, mais delicados e complexos. O CS mais saboroso, complexo, persistente que e encantador das Américas que já tomei (o que sempre envolve o nosso estado de espírito na hora) foi um Brasileiro de 2002, degustado em 2015. Hoje lotamos as prateleiras com bombas de fruta alcoólica de segunda qualidade (incluindo, infelizmente, a vinícola do vinho que acabei de citar), porque nem se quer temos a capacidade de produzir as bombas de frutas Chilenas e Argentinas (que para mim são enjoativas e desagradáveis). Ou seja, se qualidade for o padrão Argentino e Chileno, espero que nunca tenhamos essa qualidade. Qualidade, para mim, são vinhos que expressão a sua origem e as “mãos” de seu produtor e não o que a entidade abstrata “mercado” deseja. Infelizmente, poucos são os produtores brasileiros que trabalham com essa lógica, pequeno o acesso a seus vinhos e que, ainda por cima, são caros de mais.
    Contudo, não poderia deixar de notar, com justiça, que o Tapia escolhe o Era dos Ventos Claret como o melhor tinto do ano. Que é um vinho que nada tem a ver com as bombas de frutas sul-americanas. O que é também uma escolha política do Tapia , por mais que o vinho seja muito bom, elegendo um vinho de perfil não “mercadológico” como exemplo para a America do Sul. Ele passou uma mensagem muito escancarada aos produtores brasileiros…. Porém, como nesse universo brasileiro de vinhos, nada é simples, digo com muito amor e paixão pelos vinhos da Era dos Ventos (tive o privilégio de degustar vários e os adoro), o tipo de vinho que o Claret é não deveria nunca custar 180 reais!!! O preço absurdo se dá pelos inúmeros motivos que já sabemos, impostos principalmente, a que parte do mercado se deseja vender, etc. etc. etc. Talvez seja o preço, que impossibilita o acesso, o grande problema para melhorarmos a qualidade dos vinhos nacionais: pequenos e médios produtores poderem colocar seus vinhos a venda por preços realmente justos para eles e para os consumidores permitiria diferentes vinhos no mercado. De qualquer forma, acho que devemos reconhecer a escolha do Tapia como um bom incentivo.

    Abraços

    1. Pedro! Muito me honra vc ter tomado parte de seu tempo para deixar aqui seu comentário. Sensato, ponderado, inteligente. Me faz pensar que estou mesmo no caminho certo com o podcast (apesar de até agora parecer que potenciais patrocinadores discordem hehe). Concordo que temos que aprender com a crítica (do Tapia ou de quem for). Quanto à escolha do Tapia, já falei antes: o guia é dele e ele fala bem do que gosta e do acha que deve falar bem. Por outro lado, há que se entender a necessidade de agradar ao mercado de um produtor que pretenda viver da venda de seus vinhos. Pessoalmente não vejo isso como um problema: é só uma questão de encontrar os produtores que fazem vinhos em estilos que me agradam. Eles existem. Não são maioria, mas meu estilo também não. O preço praticado por aqui é outro ótimo ponto para muitas discussões em torno das taças! Saúde!

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